Por Bruno Albertim – colaboração
Ali, um abacaxi ou bandeja de ovos caipiras são tratados com a mesma deferência de um tinto vindo de um vilarejo italiano de tradição familiar, vinificado em pequeníssima escala. No Tulasi Mercado Orgânico, a forma como os produtos são exibidos nas prateleiras denota um certo orgulho indisfarçável. Não são apenas calorias e sabores em embalagens charmosas, mas alimentos no sentido superlativo: comida com trajetórias e origem.
Não seria exagero entender o trabalho da proprietária Renata Nascimento como uma curadoria. Ela viaja, testa, experimenta cada produto pacientemente até incluí-lo na lista de fornecedores. As frutas, legumes e verduras, por exemplo: todos provenientes da produção de quatro famílias de Glória de Goitá que recebem consultoria técnico-agrícola do próprio Tulasi.
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Nada, contudo, muito diferente da filosofia hippie-contemporânea nas feirinhas da cidade não fosse o fato de o mercado ter estrutura de delicatessen de ponta – arquitetura arrojada, fino acabamento, bistrô moderninho nas dependências. Imbuído, contudo, de um espírito comercial revolucionário de podar os excessos da indústria de alimentação de massas sobre a saúde dos nossos corpos e o empobrecimento geral dos paladares.
Embora atinja 15% da população brasileira, o mercado brasileiro de orgânicos e naturais cresce o dobro da agricultura de grande escala – uma movimentação anual de cerca de R$ 4 bilhões. Mas mesmo nas grandes lojas do segmento ávidas pelo consumo dos neo-naturalistas, há muito gato por lebre: embalagens fofinhas e hipsters sobre produtos com ainda algum traço dos conservantes e condicionantes de sabor da grande indústria. Loja de médio porte, a Tulasi parece ter um critério acima da média: absolutamente tudo tem certificação.
Há queijos, carnes (de animais com fazendas com certificação de criação com bem-estar), temperos, cafés com denominação de origem, chocolates de alta concentração de cacau, pães de fermentação natural, produtos de higiene e limpeza – praticamente tudo absolutamente orgânico. Ou ainda em nichos específicos como o de produtos sem glúten, sem lactose ou açúcar. Só com orgânicos ou biodinâmicos, a seção de vinhos ocupa uma parede inteira da loja.
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Mas o mercado é também um pequeno restaurante em que o rol de produtos é articulado em receitas charmosas, contemporâneas e, sobretudo, saborosas. Como os artigos de prateleira e quitanda, os pratos do restaurante também são entregues na quarentena (a taxa é R$ 10, integralmente revertida para o motoboy) ou retirados à porta: moqueca e hambúrguer veganos, sopas, quiches, risotos, nhoques. Provei a moqueca: dourada, bem caldosa, temperos pronunciados e legumes gostosamente al dente, numa porção que satisfaz um apetite moderado. Equilibrados, quase todos os pratos do cardápio atual foram desenvolvidos pela chef e nutricionista Debora Wagner.
E a loja é também passaporte para uma das melhores alquimias que podemos ter em casa. Nos vende um kit pizza: recebemos as proporções adequadas de farinhas de trigo, integral e branca, vindas de moinhos familiares brasileiros, mais azeite e uma porção de levain vivíssimo, mais as instruções: melhor que apenas comer, só mesmo a sensação de produzir a própria pizza de fermentação natural.
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