Entrevista Política

“Minha voz vai ecoar naquela casa”, uma conversa com Dani Portela

"Minha voz vai ecoar naquela casa", uma conversa com Dani Portela
Dani Portela - Foto: Tom Cabral/ Divulgação
Vereadora mais votada do Recife, Dani falou sobre propostas e enfrentamento às desigualdades.

Nesta sexta-feira, 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra. A data importante e simbólica reflete sobre as desigualdades ainda sofridas pela população negra e também sobre os avanços alcançados e a busca por direitos.

Marcando este dia de lutas, o site Roberta Jungmann traz uma entrevista exclusiva com a advogada e historiadora Dani Portela, eleita com  mais de 14 mil votos a vereadora mais votada do Recife nas eleições municipais realizadas no último domingo (15). Representante do PSOL, Dani tem entre as suas pautas prioritárias as questões de gênero, raça e classe social.

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Dani Portela foi eleita a vereadora mais votada do Recife – Foto: Reprodução
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Foi sobre esses assuntos, sobre as propostas para a sua primeira legislatura na Câmara dos Vereadores e sobre os avanços que ainda precisam ser alcançados e efetivados que ela conversou com o site RJ. Veja a entrevista, na íntegra, abaixo:

Você foi eleita vereadora com a maior quantidade de votos no Recife. O que isto significa para você?

Essa votação foi uma grande surpresa e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade. Eu já esperava um resultado positivo nessa eleição. Quando andávamos nas ruas e conversávamos com as pessoas, o sentimento de pertencimento era algo muito presente. Então a gente já tinha uma noção de que as nossas propostas, construídas a várias mãos, tinham uma boa receptividade das pessoas. Para mim, uma mulher negra, ser a mais eleita esse ano tem uma representatividade ainda maior. Vimos de um ciclo em que o conservadorismo e o fundamentalismo religioso tiveram uma conquista de espaços muito grande. Quebrar esse ciclo, sendo eu uma mulher negra feminista, tem um simbolismo ainda maior. Isso significa uma retomada dos espaços políticos pelas nossas pautas.

"Minha voz vai ecoar naquela casa", uma conversa com Dani Portela
Dani Portela falou sobre recepção da campanha nas ruas – Foto: Tom Cabral/ Divulgação
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Quais as suas principais propostas para a legislatura que se inicia em 2021?

Serei a Vereadora do Recife, de todas e todos, centralizando esse debate no enfrentamento às opressões, seja ela de raça, de gênero ou de classe. Um mandato que vai dialogar não só com partidos políticos, mas com movimentos sociais, com ONGs, com especialistas nas áreas. Um mandato que vai ter muito espaço de escuta e que vai dialogar com todas as pessoas, para que vozes que foram silenciadas ao longo do processo histórico sejam ouvidas. Que não seja só a minha voz, mas seja a nossa voz ampliada.

Alguma delas é prioritária? Qual a primeira ação que seu mandato pretender encabeçar de imediato?

Elencamos como prioritárias as mulheres, em especial, as mulheres negras, e crianças como sujeitos de direitos e dividimos as propostas em cinco eixos: 1) Enfrentamento às opressões; 2) Atenção à infância; 3) Direitos sociais; 4) Cultura e 5) Direito à cidade. Compreendemos que é preciso batalhar por previsão orçamentária para pautas que são prioritárias para uma população já tão esquecida pelos órgãos públicos, que são, sobretudo, as mulheres negras e periféricas.

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Você já imagina a cerimônia de posse? Tem pensado muito nisso? Que mensagem você deseja passar neste dia?

Ainda não consegui parar para planejar a cerimônia de posse, mas tenho o desejo de que seja algo bastante simbólico. Uma mulher preta presidindo a sessão diz muito sobre em que tipo de sociedade nós queremos viver.

"Minha voz vai ecoar naquela casa", uma conversa com Dani Portela
Vereadora Dani Portela conquistou mais de 14 mil votos – Foto: Reprodução

Você é uma mulher negra e carrega a pauta da representatividade e da negritude ao longo de sua trajetória, tanto como historiadora e advogada, quanto agora, como vereadora eleita. Como você pretender levantar esta pauta na Câmara?

Junto com as questões de gênero e de classe, defendemos a centralidade do enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial na esfera das políticas públicas municipais. Entendemos que o antirracismo é mais do que urgente e deve ser o lugar de onde todas nós partimos na nossa vivência cotidiana e no fazer político. Entendemos que não é um recorte e nem uma parte de uma política, mas deve estruturar o conjunto das políticas.

Estamos na semana da Consciência Negra. O Recife avançou ao eleger uma mulher negra como a mais votada?

Acho que é um avanço sim, mas ainda há muito o que avançar. Veja, estamos falando de uma Câmara dos Vereadores que, das 39 vagas disponíveis, somente 7 foram ocupadas por mulheres. E dessas, somente eu sou negra. Esse é um espaço historicamente negado a pessoas como eu. Os nossos corpos não foram feitos para ocupar esses lugares. Porém, nós hoje estamos reivindicando esse espaço que também é nosso. Não podemos ser a maioria da população e não termos a nossa voz ouvida nos espaços de poder e decisão. Não podemos ter alguém legislando por nós, sem saber das nossas pautas e da nossa vivência. Nada mais pode ser decidido sobre nós, sem a nossa participação.

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Apesar da sua conquista, que como você mesma mencionou outras vezes representa a conquista de milhares de mulheres negras, a Câmara ainda será composta majoritariamente por pessoas brancas, sendo a maioria homens. Como você avalia este cenário? Acredita que nos próximos anos a distribuição será mais igualitária?

Esse é um cenário que mostra que a nossa sociedade segue sendo racista e machista. Ainda há muito o que avançar. Compreendemos que o racismo está em todos os âmbitos da vida em sociedade e, por ele ser estrutural e estruturante, determina todas as outras desigualdades. Sabemos que a pobreza no Brasil tem cor e que, quando nos referimos às mulheres negras, há ainda o peso de uma sociedade patriarcal, que as mantém na base da pirâmide de opressões. Então eu não posso te dizer que eu acredito numa distribuição mais igualitária em curto prazo, mas posso dizer que nós estamos aqui, exigindo uma reparação história pelo longo tempo em que fomos silenciadas. E é por isso que nós ocupamos esse espaço e não vamos retroceder.

Em 2018, Dani Portela concorreu a governadora do Estado – Foto: Inês Campelo/Marco Zero Conteúdo

Nós estamos vendo o crescimento de movimentos como “enegrecer a política” e “mais mulheres na política”. Como você enxerga a importância de termos mulheres e negros nesses espaços, que são espaços que representam a população?

A pauta das mulheres não pode ser vista como um recorte, tampouco, a das pessoas negras. As desigualdades de raça, de gênero e de classe estruturam a sociedade e compreendemos que o combate a elas precisa estruturar o nosso projeto de mandato para o Legislativo no Recife. A cidade que a gente quer é a que seja melhor para as mulheres, principalmente, para as mulheres negras, pois quando isso acontecer, ela será melhor para todas as pessoas. Quando falamos em eleger feministas negras e que se comprometam a fazer a luta antirracista nos espaços de poder, queremos dizer que não vamos dar nenhum passo atrás! Nós não seremos silenciadas.

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Uma fala de Marielle Franco marcou e reverbera até hoje, em que ela afirma, em outras palavras, que “não vão calar uma mulher eleita”. Esse discurso também lhe representa?

Sim! Nós, mulheres negras na política, somos sementes de Marielle. Em 2018, pouco antes de ela morrer, eu ainda tinha dúvidas se era mesmo o caminho certo concorrer ao Governo do Estado. Em uma conversa no encontro de mulheres negras do PSOL, ela me disse que nós não podíamos voltar atrás. Ela me deu forças para seguir em frente e eu fui a mulher mais votada da história para o cargo de Governadora. Hoje, sou a vereadora eleita mais votada para a Câmara do Recife. A minha voz, que é a voz de muitas que vieram antes de mim, vai ecoar naquela casa.

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Dani Portela contou que ficou conhecida como “mulher da flor” – Foto: Tom Cabral/ Divulgação

Que mensagem você gostaria de deixar para os seus eleitores e também para aqueles que não votaram em você, mas que lhe terão como uma das representantes da Câmara Municipal?

Em 2018 eu fiquei conhecida pelo codinome da mulher da flor. E eu gosto muito dele, porque toda flor traz em si uma semente. Uma semente de esperança. Por isso em 2020 eu chamei o Recife para plantar, semear, colher junto comigo. Chamei o Recife para florescer. Eu convido todas as pessoas que votaram em mim, ou não, para conjugarem junto comigo o verbo de Paulo Freire “esperançar”. A política tem sido um ambiente de muita desesperança, de muita ausência, de muito abandono, de muitas práticas que não condizem como que acreditamos. Nós queremos fazer diferente. Nós queremos fazer história.    

E que mensagem você deixaria para as jovens negras que pretendem ingressar na política?

Eu deixo uma mensagem de resistência, de lembrar da nossa ancestralidade, que os nossos passos vêm de muito longe. Nós estamos na base da pirâmide das opressões e é por isso que a frase de Ângela Davis segue sendo tão real e tão necessária: “quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”. Vamos florescer, confiar e resistir porque é tempos de retomada dos territórios políticos da nossa cidade. Vamos falar em alternância de poder. Precisamos dizer que vidas negras importam para além das redes sociais. Precisamos demonstrar isso nas nossas ações, nas nossas práticas e nas nossas escolhas. Enegrecer o voto é um caminho sem volta!