O ator Bruno Gagliasso, de 39 anos, que está com duas estreias no cinema nesta semana, ao falar sobre seu personagem que representa um torturador dos tempos da ditadura militar fez uma ligação com o atual momento político que o Brasil está vivendo.
No Brasil, entrou em cartaz o filme “Loop”, no qual ele interpreta um físico que cria uma máquina do tempo. Já em “Marighella”, que estreou em Portugal, o ator volta ao passado com o personagem Lúcio, um torturador dos tempos da ditadura militar.
Este último, após diversos adiamentos, deve estrear nos cinemas brasileiros em novembro. O filme tem arrancando elogios da crítica nos países por onde passou desde o lançamento no Festival de Berlim em 2019. Em terras lusitanas, onde o ator brasileiro participou de duas sessões especiais, não foi diferente.
“Me surpreendi muito, vi muito português no cinema”, diz Gagliasso ao F5 por telefone. “Ficarei mais feliz ainda quando puder assistir ao filme no Brasil. Já assisti em Cuba com a filha do Che [Guevara], agora em Portugal, em Berlim… Esperar esse filme estrear está sendo agoniante, meu maior desejo é de ver o filme no Brasil.”
Isso porque, para ele, a produção sobre os últimos anos do ex-deputado Carlos Marighella (Seu Jorge) que se envolve na luta armada para combater a ditadura militar no Brasil se mostra cada vez mais urgente. “A realização desse filme é uma porrada, um grito de resistência”, avalia o ator. “‘Marighella’ existe para lembrar às gerações mais novas o que foi a ditadura e mostrar que vale à pena estar do lado certo da história.”
Na trama, ele vive o delegado responsável por perseguir, prender e torturar o protagonista –referência ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, que comandou a captura do biógrafo de Marighella, o jornalista Mário Magalhães. “Ele é deplorável, é a escória da história”, diz Gagliasso. “É o pior tipo de vilão, porque não é só um privilégio da ficção, essas pessoas existem e estão no poder.”
Ele afirma que não se inspirou em nenhum personagem específico, mas tentou amalgamar vários torturadores daquele período. “É o personagem mais denso da minha carreira”, garante. “Ele é muito distante de mim, muito distante do que eu prego, da minha ideologia.”
O ator conta que não foi fácil trazer a energia do personagem à tona. “Eu vomitei muito, tive muita insônia quando estava gravando”, lembra. “Fiquei quatro meses longe da minha família, porque eu precisava ir fundo.”
Em determinado momento, o personagem diz a frase: “Se eu mato preto, eu mato vermelho”. Isso despertou muitos sentimentos nele, que é pai de duas crianças pretas (Titi e Bless, ambos nascidos no Malawi e adotados por ele e pela mulher, Giovanna Ewbank, também pais de Zyan).
“Como que eu poderia ir para casa e dar um beijo nos meus filhos após falar uma frase dessas?”, questiona. “Eu precisava desse tempo sozinho. Foi difícil falar isso para o Seu Jorge, que é um amigo pessoal meu.”
O ator diz que a realidade mostrada no filme é tristemente atual. “Retrata muito do que a gente vê hoje”, afirma. “A polícia continua matando, mata com canetada, com armas… e quase sempre jovens pretos.”
Sobre o atual momento político, Gagliasso afirma ser muito similar ao que foi vivido pelo país na época retratada no filme, que foca nos cinco anos anteriores à morte do guerrilheiro, em 1969. “Eu penso que nós não estamos nem um pouco longe daquela época”, diz. “Sinto que estamos em uma corda bamba. Estamos no último fiapo do que podemos chamar de democracia.”
Ele diz acreditar ser preciso ampliar o debate sobre o que está acontecendo no país.
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