A Câmara aprovou, nesta madrugada (24), o projeto de lei que legaliza cassinos, jogo do bicho e bingos no País. Foram 246 votos favoráveis, 202 contrários e 3 abstenções. A bancada evangélica, contrária aos jogos de azar, não conseguiu adiar a análise da matéria, que contou com o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL). A votação dos destaques ficou para esta quinta-feira e, logo depois, o texto seguirá para análise do Senado.
O projeto rachou a base aliada do presidente Jair Bolsonaro. Logo que o plenário iniciou a análise do projeto, o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, apresentou requerimento para retirada do texto da pauta, foi mas o pedido foi rejeitado.
A legalização dos jogos de azar é um desastre para as famílias dos brasileiros. Ora, qual dos colegas não conhece uma família que destruiu todo o seu patrimônio, tudo o que tinha, porque desenvolveu a compulsão por essa desgraça chamada jogo de azar?”, perguntou Sóstenes.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Giovani Cherini (PL-RS) defendeu a aprovação do projeto. “Eu não consigo entender, eu sou religioso também, sou praticante, mas não entendo o que tem a ver esse assunto com religião”, afirmou Cherini, numa referência à oposição da bancada evangélica.
A discussão invadiu o plenário. A liderança do governo e o PL, partido de Bolsonaro, liberaram o voto de suas bancadas. Principal legenda do Centrão, o Progressistas orientou pela aprovação do texto; Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, pediu que os deputados rejeitassem o projeto.
“Trata-se de um forte mecanismo de lavagem de dinheiro”, criticou o deputado Henrique Fontana (PT-RS) durante a votação. “O governo libera a sua base, até porque há partidos com entendimentos diferentes, e o presidente manterá sua prerrogativa de veto”, disse o deputado Evair de Melo (Progressistas-ES), também vice-líder do governo na Câmara.
De olho no eleitorado evangélico neste ano em que disputará a reeleição, Bolsonaro afirmou que vetará o projeto.
Em entrevista à rádio Viva FM, do Espírito Santo, em 17 de janeiro, o presidente afirmou que os jogos de azar não são bem-vindos no Brasil. Disse, porém, que os parlamentares podem derrubar o seu veto. Em 2018, quando era candidato, Bolsonaro classificou como “mentira” que iria regularizar cassinos no Brasil. “Dá para acreditar numa mentira dessa? Nós sabemos que o cassino aqui no Brasil, se tivesse, serviria como uma grande lavanderia. Serviria para lavar dinheiro, e também para destruir as famílias. Muita gente iria se entregar ao jogo e o caos se faria presente junto ao seio das famílias aqui no Brasil”, observou o então deputado, naquela ocasião.
Cide
O relator do projeto, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), estabeleceu a criação de uma Cide-Jogos, com alíquota fixa de 17% sobre a operação das apostas. Além disso, a incidência de Imposto de Renda (IR) é de 20% sobre prêmios de R$ 10 mil ou mais.
“A instituição de uma Cide permitirá, desde logo, a vinculação da arrecadação tributária decorrente da exploração de jogos e apostas, assegurando mais recursos para a implantação e desenvolvimento de políticas públicas sociais, inclusive para Estados e Municípios, representando um reforço ao nosso federalismo fiscal”, justificou Carreras em seu relatório.
Os recursos gerados pela cobrança da contribuição serão distribuídos para União, Estados, Distrito Federal (DF) e Municípios e a ideia é que financiem políticas sociais, incluindo reconstrução de áreas de risco e prevenção de desastres naturais. A incidência do IR, por sua vez, será sobre o ganho líquido, ou seja, o valor do prêmio deduzido do valor pago para fazer a aposta. O relator determinou que o imposto será retido na fonte pela entidade operadora.
Carreras também estabeleceu que os jogos de azar serão regulados e supervisionados pela União, por meio de um “órgão regulador e supervisor federal”, definido por lei. Para operar, os estabelecimentos precisarão de licença. Será criada, ainda, uma lista de registros proibidos, espécie de banco de dados com jogadores impedidos de apostar.
Em 2016, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) recomendou ao Congresso que, na eventual apreciação de proposições legislativas para autorizar a exploração de jogos de azar, fossem considerados “os padrões internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro, inclusive a necessidade de estrito controle administrativo por órgão especializado”.
Para Roberto Livianu, procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, o Brasil “não está pronto” para legalizar jogos de azar. “É claro como a luz do sol que isto trará muito mais problemas que soluções – gente caindo no vício, famílias arruinadas, jogo sendo usado para lavagem de dinheiro e por aí vai. O turismo pode ser alavancado de outras formas”, destacou Livianu.
Na véspera da aprovação do projeto na Câmara, Sóstenes Cavalcante havia cobrado mais empenho de Bolsonaro para barrar o projeto. “O presidente (Bolsonaro) já é contra, já anunciou que veta, mas ele tem que fazer também um trabalho junto à liderança do governo”, afirmou Sóstenes, que tem feito um esforço para aproximar ainda mais a bancada evangélica do Palácio do Planalto.
Lira, por sua vez, fez uma defesa enfática da matéria. “São jogos que já existem no Brasil, acontecem como contravenção ou de maneira não oficial todos os dias, jogos online que patrocinam Seleção Brasileira, que patrocinam jogadores de futebol, que patrocinam meios de comunicação”, afirmou o presidente da Câmara.
Veja as principais regras estabelecidas pelo relator:
Autorização para funcionamento de cassinos
A licença será por meio de licitação do tipo técnica, preço proposto e maior proposta para obter a licença, com capital integralizado de R$ 100 milhões;
Fica proibida a concessão de licença para mais de um estabelecimento do mesmo grupo econômico por Estado e para mais de cinco estabelecimentos do mesmo grupo no País;
Será usado o critério populacional para definir a quantidade total de cassinos que poderiam operar em cada Estado, da seguinte forma:
1 licença para Estados com até 15 milhões de habitantes;
2 licenças para Estados entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes;
3 licenças para Estados com mais de 25 milhões de habitantes.
Autorização para funcionamento de bingos
O limite será de um bingo a cada 150 mil habitantes por município e com capital integralizado de R$ 10 milhões, limitado a 400 máquinas por estabelecimento;
Os bingos também serão autorizados em estádios com mais de 15 mil torcedores.
Autorização para funcionamento do jogo do bicho
A licença será precedida de capital integralizado de R$ 10 milhões e reserva de recurso em garantia para pagamento;
O número de licenças respeitará o critério populacional. Para cada 700 mil habitantes, poderia ser concedida uma licença em cada Estado.
Autorização para funcionamento de jogos online
A exploração de jogos de chance, por meio de apostas em canais eletrônicos de comercialização, via internet, telefonia móvel, dispositivos computacionais móveis ou quaisquer outros canais digitais de comunicação autorizados, serão autorizados mediante credenciamento junto ao Ministério da Economia
Cobrança de impostos
Será criada uma Cide-Jogos, com alíquota fixa de 17% sobre a operação dos jogos de azar;
A incidência de Imposto de Renda (IR) será de 20% sobre prêmios de R$ 10 mil ou mais, sobre o ganho líquido, ou seja, o valor do prêmio deduzido do valor pago para fazer a aposta. O IR será retido na fonte pela entidade operadora.
Distribuição dos recursos
A proposta prevê que os recursos gerados pela arrecadação da Cide-Jogos sejam distribuídos para União, Estados, Distrito Federal (DF) e Municípios financiarem políticas sociais, da seguinte forma:
-12% para a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur);
-10% para financiamento de programas na área do esporte;
-4% para financiamento de ações de defesa e proteção animal;
-4% para a Política Nacional de Proteção aos Jogadores e Apostadores;
-4% para programas de saúde relacionadas à ludopatia ou vício em jogos;
-6% para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP);
-10% para o Fundo Nacional da Cultura;
-4% para o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente;
-4% para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies);
-5% para ações de reconstrução de áreas de risco ou impactadas por desastres naturais;
-5% para ações destinadas para prevenção de desastres naturais no âmbito da defesa;
-16% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
-16% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Matéria do Estadão
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