A escritora pernambucana Iaranda Barbosa lançou seu primeiro livro, Salomé, novela histórica que se passa no Recife dos anos 1800. No enredo, a capital pernambucana do século XIX e a dos tempos atuais se encontram eu uma trama que mistura passado e presente e aborda as questões sociais do estado e do país.
A obra foi publicada pelo selo Mirada Janela e os leitores podem adquiri diretamente com a autora por meio de suas redes sociais. Também professora da Universidade Federal de Pernambuco, Iaranda é doutora em Teoria da Literatura pela mesma instituição.
Ela conversou com o site Roberta Jungmann sobre Salomé, representatividade e planos para o futuro. Confira a entrevista exclusiva abaixo.
Recentemente, você lançou seu primeiro livro, Salomé. Como estão estes primeiros meses da nova escritora?
Estão sendo de total plenitude, por ver um sonho realizado, e de extremo trabalho, pois o processo de divulgação e vendas exige constante dedicação. Porém a satisfação em ver a obra nas mãos das pessoas e o retorno positivo dos leitores é superior ao cansaço e faz com que novas ideias já comecem a fervilhar.
A obra se passa na Recife oitocentista. Por que você resolveu ambientar a história nesta época e neste local?
Primeiro porque sou uma machadiana convicta e sempre achei fascinante a forma como Machado de Assis ambientava os seus livros. Depois porque eu precisava amansar, digamos assim, de alguma forma, as várias inquietações relacionadas à estrutura da nossa sociedade. A Casa Grande e a Senzala ainda se fazem muito presentes entre nós, sobretudo, nas relações entre patroas e empregadas, nos estereótipos, na subalternização da mulher, no patriarcado, enfim, nas relações de poder como um todo. Por fim, porque queria a todo custo criar uma obra que fizesse o leitor se identificar com as paisagens, com os cenários, com a história, com os personagens. Queria que o leitor a cada linha pensasse: isso faz parte de mim, eu faço parte desse lugar.
Como você definiria Salomé?
Defino como uma máquina do tempo que nos leva ao passado para nos fazer refletir se os costumes, os arranjos políticos, as mazelas sociais e os preconceitos do Recife de 1850 ficaram no século XIX ou se continuam presentes em pleno século XXI. Defino como um raio X, um olhar-se no espelho não apenas do recifense ou do pernambucano, mas do brasileiro, pois o Recife é apenas uma célula que faz parte de um enorme organismo.
Quais referências você usou para compor a personagem?
Para construir Leila, me inspirei nas mulheres machadianas e em todas as mulheres fortes que conheci e fizeram e fazem parte da minha vida, seja de forma literal ou literária. Para construir Felipe, a inspiração veio do patriarcado, do racismo e de todos os pensamentos negacionistas que nos rodeiam e que a cada dia tentam nos sufocar.
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Você já está produzindo novas obras. Pode nos contar mais detalhes e a previsão de lançamento?
Estou terminando um livro de contos, cujo protagonismo é feminino. Nele, aparecerão tanto narrativas inseridas na realidade, tal qual a conhecemos, quanto algumas de viés fantástico e outras de viés maravilhoso, ou seja, trago o sobrenatural e o inquietante aqui ou acolá. Esse livro, provavelmente sairá antes da metade do ano. Posteriormente, serão produzidos dois romances: um relacionado ao episódio conhecido como As heroínas de Tejucupapo (Goiana); e outro ambientado em um convento olindense no ano de 1880. Ambos, são históricos e a previsão é para o segundo semestre de 2021 e primeiro semestre de 2022.
Como você avalia a produção literária de escritoras negras em Pernambuco?
As mulheres negras de Pernambuco sempre produziram muito. Contudo a falta de visibilidade, políticas públicas, divulgação, interesse e incentivos nas mais diversas áreas, e aqui eu incluo os cursos superiores de formação de professores, são grandes entraves que dificultam, mas não nos impedem de seguir em frente. Existem escritoras e poetas excelentes que merecem estar nos livros didáticos, nas salas de aula, nas pesquisas acadêmicas, mas que infelizmente são invisibilizadas pelo sistema.
É um espaço importante a ser ocupado?
Importantíssimo, inclusive para dar a oportunidade tanto do professor em formação quanto dos estudantes conhecerem a produção local e perceberem que dentro do nosso estado existe uma literatura forte e que não deixa a desejar em nada esteticamente falando para os “grandes nomes” que aparecem os manuais de literatura. Trazer essas mulheres para dentro da sala de aula é também exercitar a representatividade.
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Você também é professora universitária. Os alunos já relataram a sua representatividade em sala de aula?
O primeiro relato sobre a minha representatividade surge quando, principalmente as meninas, me veem pela primeira vez e abrem um sorriso. Depois, aparecem associados aos recortes teóricos e analíticos que eu faço, pois minha seleção de textos contemplam majoritariamente mulheres e exclusivamente mulheres pretas. É um mundo totalmente novo para muitos estudantes e eles se deleitam com aquelas histórias. Inclusive, já nas aulas iniciais, surge o interesse de realizar pesquisas e artigos acadêmicos sobre as obras. Acredito que essa seja a minha maior representatividade dentro de sala de aula, porque eu trago outras mulheres iguais a mim para um espaço anteriormente negado a todas nós, incluindo as estudantes, que percebem ser possível chegar aonde elas quiserem.
Quais os seus planos na carreira de escritora. É algo a que pretende realmente se dedicar daqui para frente?
Não pretendo parar sob hipótese alguma. Se a literatura era uma paixão enquanto eu era apenas leitora, agora, depois da primeira obra, percebi que é algo que faz parte do meu DNA, da minha impressão digital, da minha alma. Pretendo seguir com prosa, poema, crônica e, claro, com muita crítica literária.
Como você se imagina daqui cinco ou 10 anos?
Nunca parei para pensar como estarei daqui a cinco ou 10 anos. Mas algo é certo: estarei viajando, visitando mundos, conhecendo pessoas, provando novos cheiros e sabores, admirando culturas e aprendendo muito, seja empiricamente, seja através da literatura.
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