- Por Bruno Albertim
Depois de cinco meses sem sair para nada que não fosse es-tri-ta-men-te essencial, a gente redescobre o prazer das coisas deliciosamente rotineiras. Voltar ao Shopping Recife, o mais agradável da Cidade, e desfrutar do prazer de comer num restaurante de shopping, por exemplo: mais que uma refeição, um reencontro com um mundo que a gente nem sabia o quanto era rotineiramente prazeroso. Ontem, pus os pés no mais antigo e tradicional centro de compras da cidade. A motivação: redescobrir a gastronomia do lugar.
A primeira constatação: vim ao mundo praticamente ao mesmo tempo em que o Shopping Recife, o complexo que se instalou na paisagem da cidade há 40 anos, e ajudou a deflagrar no País esse conceito de “cidade-dentro-da-cidade” que nunca mais sairia de nossas vidas. Um lugar de memórias desde a infância. E que alimentou a já famosa megalomania pernambucana. Quem nunca abriu a boca pelo menos uma vez para dizer que o Recife possuía o maior shopping da América Latina?
A segunda constatação: o shopping é mesmo um nada pequeno universo de grandes sabores. Não é exagero dizer: ali encontramos um mosaico de culinárias que nem mesmo cidades inteiras de reconhecido apelo gastronômico oferecem. Da divertida comida rápida das praças de alimentação a restaurantes de grandes brigadas. Num corredor, pizzas perfeitamente assadas. Noutro, sushis, ceviches e carnes de alto padrão. Sem precisar pegar um táxi entre um lugar e outro. A poucos passos. Parece o melhor dos mundos.
Está tudo igual e radicalmente diferente. Antes que perguntem, sim, a sensação de segurança sanitária é grande. Na entrada, com um sorriso, o segurança mede a temperatura de quem chega com o raio da pistola. Uma pisada no pedal e o totem dispensa álcool em gel – aliás, há dispensers em todos os lugares, por todas as paredes.
Com o fluxo de visitantes controlado, o lugar está calmíssimo. Pessoas de máscara, distantes uma das outras, é possível contemplar as lojas com calma antes de escolher um lugar (ou vários, no meu caso) para comer. Nesta primeira visita, preferi matar a saudade de uma culinária pouco disponível nesses últimos dias de isolamento social.
A ideia era poder sentar num bom “japa”. Primeira parada: o Eki, o japonês contemporâneo e estiloso de ar meio futurista-retrô, na praça de restaurantes do térreo. O garçom pergunta se prefiro o cardápio digital, com leitura de QR Code pelo celular, ou em papel plastificado e devidamente borrifado com álcool, antes de chegar às minhas mãos. Fico com o segundo e, minutos depois, tenho diante de mim um tartar de atum fresquinho sobre uma porção de arroz gohan e uma camada generosa de ovas do peixe tobikô. Cada mordida naquela mistura de peixe vermelho e brilhante com as ovas alaranjadas trazia pequenas “explosões marinhas” na boca. Uma epifania.
Depois, seguindo o rolê, encontrei um sunomono bem temperado, açúcar e vinagre equilibrado no pepino fatiado, servido para quem quer comer mais rapidamente numa das praças. E lembrei que a culinária oriental começou a ganhar força na cidade justamente na mesma época em que o shopping aqui chegou.
No Sushi Mi, aliás, confirmamos a versatilidade da cozinha japonesa diante do ritmo de vida contemporânea: ou um enorme temaki não é tão prático, e suficientemente satisfatório, como um sanduíche que também dispensa talheres?
Uma verdadeira volta ao passado poder sentar numa das mesas do já histórico Chinatown, aberto originalmente no final dos anos 70 e que se mudou para o shopping desde o início. Um lugar onde minha família sempre parava depois dos meus passeios de infância no shopping quando a grande culinária chinesa ainda era uma exótica fronteira do paladar a ser conquistada.
Antes de sentar, uma nova surpresa: uma funcionária da limpeza passa a pistola de raio ultra-violeta e ação antiviral e bactericida sobre as mesas logo antes de entrarmos no salão. O procedimento, aliás, se repete a cada duas horas.
A vontade é de devorar simplesmente todo o cardápio dos clássicos que fazem da cozinha chinesa uma das mais cultuadas do Ocidente. Sequinho e crocante, o rolinho-primavera obrigatório só reforça as memórias da infância. Mas para entender perfeitamente como os chineses, de alguma maneira, percebem alguns de seus clássicos como o equilíbrio perfeito entre notas distintas de sabor – o doce e o salgado, por exemplo – , pedi o famoso peixe agridoce. Nacos fartos de robalo perfeitamente empanados com abacaxi e aquele molho vermelho, ligeiramente açucarado e acre, valeram o atalho pra China.
Apaziguada a saudade dessa porção “oriental do shopping”, um café pra digerir, o biscoito da sorte trazia como mensagem algo como reencontro. Um bom sinal pra voltar lá e revisitar as outras culinárias ali tão próximas. É sempre bom poder voltar, especialmente ao shopping que se confunde com a história do nosso cotidiano.
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