O caso do ator, humorista e ex-diretor do núcleo de humor da TV Globo Marcius Melhem, acusado de assédio por atrizes da emissora e desligado em agosto, voltou à tona neste fim de semana. Isso porque a Folha de São Paulo publicou, neste sábado (24), uma reportagem em que aponta as afirmações feitas pela advogada das vítimas.
Em entrevista à coluna Mônica Bergamo, a advogada criminalista Mayra Cotta, que assessora as atrizes no caso, deu detalhes sobre as denúncias de assédio moral e sexual contra Melhem. “É um chefe que se vale de sua posição para tentar usar o poder que tinha de contratar ou demitir para as constranger a se envolver com ele”, afirmou.
Cotta disse, ainda, que o ex-diretor costumava trancar as atrizes em salas na tentativa de agarrá-las. “Houve um comportamento recorrente, de trancar mulheres em espaços e as tentar agarrar, contra a vontade delas. De insistir e ficar mandando mensagem inclusive de teor sexual para mulheres que ele decidia se iam ser escaladas ou não para trabalhar, se ia ter cena ou não para elas [nos programas de humor]. De prejudicar as carreiras de mulheres que o rejeitaram. De ficar obcecado, perseguindo mesmo. Foi um constrangimento sistemático e insistente, muito recorrente”, elencou.
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A advogada seguiu com os detalhes da acusação: “Ele isolava as atrizes, tinha o poder de não as deixar ir para outros lugares [na emissora], fazer outras coisas. E criava um ambiente de trabalho tóxico. As pessoas se sentiam presas, sem conseguir se livrar daquilo. Ele usava situações de trabalho para as tentar agarrar à força, inclusive usando violência”. Ao ser questionada sobre que tipo de violência ele usava, explicou: “De agarrar, de as colocar contra a parede, tentar beijar à força. Isso é bastante violento”.
A primeira atriz a fazer a denúncia contra Marcius Melhem foi a humorista Dani Calabresa, que levou o caso ao compliance da Globo em dezembro de 2019. Em seguida, outras mulheres seguiram o mesmo caminho e relataram a série de abusos cometida pelo então diretor.
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No entanto, as vítimas optaram por não falar individualmente sobre o caso e, dessa forma, as declarações foram feitas pela advogada criminalista. “É muito difícil você se expor publicamente como uma vítima. Sabemos como mulheres que denunciam homens por assédio sexual às vezes são tratadas no tipo de sociedade em que a gente vive. Nenhuma mulher quer ser definida para sempre como uma vitima de assédio sexual. Por isso [surgiu] a ideia de eu falar em nome desse grupo. É justamente para não “fulanizar”. Não tornar isso a história de uma mulher. São várias as que foram vitimas”, explicou.
Ela também destacou que um grupo de apoio foi organizado em torno das atrizes. “São seis vítimas de assédio sexual e seis testemunhas. Há vítimas de assédio moral. E há um grupo de apoio a elas, de mais de 30 pessoas”.
O relato vem a público após a TV Globo e Marcius Melhem encerrarem o vínculo alegando comum acordo e sem que a emissora abordasse qualquer tipo de acusação. “Elas me procuraram porque publicamente a única versão que se tem sobre essa história é a dele. Nunca houve um reconhecimento do que aconteceu com as vitimas. E esse reconhecimento é muito importante. Um assédio sexual deixa uma terra arrasada. Tudo o que elas querem é poder trabalhar sem ser assediadas. É fazer uma cena em que a única preocupação delas seja atuar bem, e não se vão ser agarradas à força pela pessoa que escreveu o papel para elas”, afirmou Mayra Cotta.
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Com uma série de posts no seu Twitter, Melhem negou as graves acusações. “Sei que num caso desses, ainda mais no momento que vivemos, de tanto ódio, serei culpado até provar o contrário. Então quero que tudo seja colocado às claras, expor a minha inocência e os meus erros. Quero poder pedir desculpas e cobrar responsabilidades. Vou em busca da verdade”, escreveu.
Em sua defesa, ele falou sobre as pautas feministas que os programas humorísticos abordavam enquanto ainda era diretor do núcleo. “Fazer jus a todos esses anos em que pautas como as do feminismo foram abraçadas pelo humor transformador em que eu acredito. Fiz parte de um grupo de homens e mulheres que se orgulha de usar o humor como um instrumento contra o preconceito. Mas mesmo abraçando profissionalmente a causa feminista, ainda combato o machismo dentro de mim, erro, posso ter relações q magoem. Tento melhorar e aprender. E queria muito falar sobre isso. Mas diante de acusações tão graves q de forma alguma cometi, o q eu posso fazer? Negar”, comentou.
O humorista também alegou que foi injustamente acusado de tentar fugir do Brasil. “Há alguns meses, tive que sair do país para um importante tratamento médico de minha filha e não acreditei quando essa viagem passou a ser divulgada como uma fuga. Qualquer pessoa que me conheça, que tenha convivido minimamente comigo sabe que é impossível eu praticar alguma violência, especialmente contra as mulheres. Jamais seria capaz de emparedar alguém à força”, disse.
Melhem afirmou, ainda, que saiu pela porta da frente da emissora. “Até hoje eu fiquei calado porque as acusações não apareceram aqui fora. No compliance da rede Globo tudo foi apurado e investigado rigorosamente. Saí pela porta da frente da emissora que trabalhei por 17 anos”, escreveu.
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Procurada pela Folha de São Paulo, a Globo afirmou que “não tolera comportamentos abusivos em suas equipes” e que o caso de Melhem foi apurado criteriosamente. Ainda assim, alegou que a política da empresa prevê o sigilo das acusações recebidas e apuradas pelo compliance.
Leia, abaixo, a íntegra de nota enviada pela TV Globo à Folha:
“A Globo não comenta assuntos da área de compliance, mas reafirma que todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A Globo não tolera comportamentos abusivos em suas equipes e, neste sentido, mantém um canal aberto para denúncias de violação às regras do Código de Ética do Grupo Globo. Por esse Código, assumimos o compromisso de sigilo do processo, assim como o de investigar, não fazer comentários sobre as apurações e tomar as medidas cabíveis, que podem ir de uma advertência até o desligamento do colaborador. Mesmo nas hipóteses de desligamento, as razões de compliance não são tornadas públicas.
Somos muito criteriosos para que os estilos de gestão estejam adequados aos comportamentos e posturas que a Globo quer incentivar e para que as medidas adotadas estejam de acordo com o que foi apurado. Não foi diferente nesse caso.
Isso não quer dizer que os processos de compliance sejam estáticos. Ao contrário. Eles evoluem constantemente para acompanhar as discussões da sociedade. As práticas e as avaliações são revistas o tempo inteiro, assim como são propostas e acolhidas sugestões de melhoria nos mecanismos de comunicação interna. A própria sociedade está se transformando e a empresa acompanha esse processo.”
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