Kiko Selva não tem obecessão em descobrir a próxima fronteira da cozinha amazônica, revelar as possibilidades culinárias da próxima flor do sertão ou colocar de caçarola para baixo o que está consagrado. Por isso, muito provavelmente, seu mais novo restaurante, aberto há pouco mais de um ano num empresarial moderninho do bairro de Boa Viagem, tenha fidelizado tão rapidamente sua clientela. Numa época em que quase já não encontramos um clássico filé wellington ou um simples marsala, como se tivessem se tornado peças elementares de um passado importante, mas incompatível com o contemporâneo, O Il Tavollo é clássico. Sem qualquer pudor.
Isso não quer dizer estanque no tempo. Uma tradição, para sobreviver, precisa, claro, dialogar com o tempo presente. Globber trottrer inveterado, Kiko traz inovações lúdicas, pequenas alterações técnicas ou acréscimos de ingredientes das inspirações de suas viagens. Tudo usado com sobriedade, em lampejos de criatividade que não comprometem a estrutura de pratos consagrados pela história.
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O restaurante fica numa espécie de aquário gigantesco instalo no complexo Félicité Health Center, com devido isolamento acústico da avenida ali na frente. Pé-direito alto, adega integrada à parede, sala para eventos reservados, intimista, serviço atento e cordial, iluminação confortável. Luxo sem excessos.
Il Tavolo, em italiano, significa à mesa. A espinha dorsal da cozinha está na grande culinária italiana – de onde, sabemos, a alta gastronomia francesa tem origem, quando Catarina de Médici se casou com rei francês Henrique II, inaugurando um novo capítulo do Absolutismo e, de quebra, a alta gastronomia francesa ao levar a cozinha da Itália para o palácio do novo marido. Mas os pratos nada têm da frugalidade de uma nouvelle cuisine francesa. São intensos, densos, portentosos.
Puro hedonismo à mesa é o Carré de Cordeiro Sangiovese em crosta de pistache, redução de vinho tinto com risoto bem untuoso de açafrão (R$ 124). Ou o monumento comestível que é o Stinco di Agnello (R$ 115) com cogumelos frescos e uma polenta bem mexida e lisinha. Os nhoques de batata sob fonduta de grana padano ganham companhia francesa no pato ao molho de laranja (R$ 128). E nada mais classicão que um belo tornedor de mignon sob crosta de nozes e ervas com molho de trufas negras e um risotão bem afundado em grana padano.
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De entrada, mais Itália à mesa: o taglieri de burrata, presunto curado, uma telha crocante e vinagrete (R$ 75). Ou um pouco de França: steak tartar na ponta da faca ou um brie em crosta de mel de trufas e geleia de framboesa (mais focaccia). Ou, mais leve: um tartar de atum levemente oriental com molho de ostra ou o italianíssimo carpaccio de vitello tonnato, cujo molho untuoso de fato faz a carne tenra adquirir sabor de atum.
Muito bem pensadas, há duas colunas de saladas com estrutrura de refeição. Uma delas traz na base abacate, queijo de cabra tipo chèvre, crocante de gengibre. A outra, uma base de folhas, pêras ao vinho, brie, nozes e redução de mel. Entre os protagonistas a se escolher, estão desde pescados (atum, pescada, salmão ou camarões) a frango ou filé em lascas.
O restaurante, aliás, surgiu da admiração de um casal pela cozinha de Kiko. Casados, Fábio e Márcia Casanova frequentavam com assuidade outras operações do chef e propuseram a sociedade. Nada contra as dezenas de novíssimos chefs bem determinados em estabelecer novos parâmetros de brasilidade para o paladar. Mas é extremamente confortante ver uma casa tão viogorosa dedicada a abrigar os clássicos fundamentais da história gastronômica ocidental.
Serviço
Il Tavolo Ristoranti
Av. Domingos Ferreira 3937, Recife.
(81) 99910-9935
*Por Bruno Albertim
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